terça-feira, 18 de outubro de 2016

Ela e Ele

Uma fresta na janela deixou que os primeiros raios de sol da manhã atingissem seu rosto. Ela abriu seus olhos - negros como a noite - e notou que sua mão repousava sobre as costas dele.  Imediatamente começou a arranhá-lo lentamente com suas longas unhas esmaltadas em vermelho sangue. Ele despertou. Beijaram-se. Ela sentia borboletas no estômago.
Ele tomou uma ducha enquanto ela preparava o café ao som de Maria Bethânia. Sentaram-se para comer. Ele vestiu a camisa, cobrindo a tatuagem que ela tanto gostava de admirar. Disse que precisava ir. Que um dia desses “se esbarravam por aí”. Bateu a porta.

Ela se deitou na cama para sentir o cheiro que ele tinha deixado. Mais uma vez, precisou engolir o choro. Sabia que em breve acabariam passando mais uma – de tantas – noite juntos. A verdade é que ela o amava. Loucamente. Enfim, ela calçou os sapatos e foi para o trabalho.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Eu piro

Um dia alguém me falou que a gente não se apaixona pela pessoa inteira, mas por cada pedaço dela. Que o apaixonado vê detalhes que só o apaixonado vê. E pira nesses detalhes. Eu piro em você. No todo. Nos pedaços. Nos detalhes. E até no que não existe ainda.
Piro na sua boca fechada. No desenho dos seus lábios. Em te ver dormir enquanto contorno seus lábios com meus dedos, com todo cuidado do mundo pra não te despertar. Piro na sua boca aberta. Seus dentes num sorriso encabulado. E em como ela se encaixa na minha.
Piro quando você tira a camisa. Nos rabiscos no teu corpo. No seu peito expandindo em uma respiração rápida. Piro nos seus braços. Em dormir neles. No relevo das veias no seu antebraço (ah como eu amo isso!). Em suas mãos que carregam tantas histórias. E quando você espalha essas histórias pelo meu corpo todo. Quando você passa a mão lentamente nos meus cabelos até que eu pegue no sono.
Piro no seu cabelo. Grande ou pequeno. No seu cheiro. No aspecto da sua pele. No seu pescoço (ah!). No jeito que você segura a minha mão. No jeito que você me beija. No seu abraço. Em quando você me surpreende...
Mas eu piro mesmo é em você, de samba canção, fumando um cigarro na janela sentado na cama. Eu poderia ficar olhando pra essa cena por dias e dias. Viajando. Nas mais absurdas fantasias. Nas mais loucas cenas de amor. Nos mais íntimos detalhes de uma vida toda juntos.

Eu piro em você, bonito! E quanto mais perto você estiver de mim, mais perto vou querer estar. E que seja assim, um prazer sem fim!

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Só agradece!



Um amigo me ensinou a montar uma análise da sua própria vida a partir de um esquema de pontos. Onde cada ponto representa uma pessoa, ou um episódio da sua vida. Que leva ao ponto seguinte. Funciona como uma grande rede de pontos. Que visualmente te mostra como você chegou até aqui. As perdas, os ganhos, as pessoas que surgiram, as que sumiram. É extremamente interessante, pois te faz enxergar onde estão os erros. E quais as pessoas te fizeram um favor em sair da sua vida.
Este mesmo amigo vive um grande amor. E ao analisarmos a rede de pontos dele, percebemos que “quase sem querer” sua ex-namorada foi quem o jogou nos braços do amor da sua vida. Um vacilo da ex o fez se mudar de cidade. Entre uma mudança e outra ele esbarrou em seu amor numa estação rodoviária. Com a mudança de cidade ele acabou mudando de emprego. O novo emprego o fez mudar novamente, ele acabou enfim na mesma cidade da menina com quem ele vive hoje, em outra cidade ainda.
Fiquei intrigada por um tempo com essa história toda. Em como a gente sofre profundamente em certos episódios que deveríamos na verdade estar agradecidos. É possível que uma reprovação te renda novos amigos. Que um incidente abra portas de oportunidades. Que um mês sem grana te mostre que você pode sobreviver com muito menos. Que o fim de um relacionamento te faça encontrar o amor da sua vida.
Hoje aqui divagando, deixo o besta conselho de que devemos “enxergar o lado bom das coisas”; como dizem os populares.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Segunda versão



Aquele dia tinha sido cansativo demais, eu precisava reunir minhas amigas pra esquecer do mundo um pouco. No meu bar preferido iria tocar uma banda que eu tinha assistido uma vez e não curtido muito. Resolvi ir pra lá mesmo assim, dar uma nova chance à banda. Chegamos cedo, sentamos no meio do bar. De tempos em tempos eu levantava com alguma amiga - ou sozinha - pra sair do meio da "muvuca" e dar uma respirada, sem nem reparar na galera que estava em minha volta.

O show começou. Lá de fora o repertório me pareceu bem mais interessante que eu lembrava. Chamei uma amiga pra ir ver a apresentação mais de perto. A banda estava mandando realmente bem. Passamos o restante do show na frente do palco. Entre um comentário e outro com minha amiga, eu olhava pro palco. Os meninos da banda eram bonitos e me encantavam com a expressão de contentamento no que estavam fazendo. Fico admirada com gente que ama o que faz. Troquei vários olhares, mas nenhum me chamou atenção.

Quando o show acabou eu já havia esquecido do mundo lá fora. Estava feliz.  E já embriagada o suficiente pra ser simpática com todo mundo. Fiz vários "amigos de bar". Encontrei vários conhecidos. E me perdi no meio de todas aquelas pessoas interessantes/desinteressantes. Já no fim da noite, sentei no muro no canto do bar. Estava cansada, esperando minhas amigas para voltar pra casa. Neste momento um menino se sentou do meu lado, com um bom papo. Ele me disse que era o baixista, não consegui lembrar do rosto dele.

Eu não sorri pra ele, porque minha cota de sorrisos da noite já havia se esgotado. Mas trocamos uma ideia bem envolvente. Até ele mandar uma cantada muito ruim e eu dar um fora ainda pior. Entretanto, antes de ir embora ele pediu meu celular, passei. Queria manter contato, ele parecia legal; lembrava meus amigos. Horas depois, quando me acordei, ele havia mandado whatsApp. Respondi cordialmente. A conversa fluiu como se realmente fossemos amigos de longa data.

No meio da semana me chamou pra um role. Percebi que ele estava querendo algo a mais que amizade. Inventei que tinha uma amiga a fim dele, pra despistar. Porém, eu já estava programada pra ir neste mesmo role. Fui. Com a intenção de nem me aproximar dele durante a noite. Acabamos sentando na mesma mesa. Dividindo os amigos. Foi uma noite bem irritante. Ele me deu pouca atenção. Eu senti muito sono.

No fim da noite ele chamou a mesa toda para um evento no sábado seguinte. Aceitei, mesmo sabendo que estarei em viagem nesta data. Avisei encima da hora que não iria. Percebi que ele ficou chateado e me preocupei. Preocupei com o estado de espírito dele, com a felicidade dele. Senti medo de perdermos o contato.

Mais uma semana se passou. Não deixamos de nos falar. Mais um sábado chegou. Era o aniversário de um grande amigo, estava combinado que a comemoração seria em um bar da cidade. Porém, fiquei sabendo que ele iria tocar em uma balada. Convenci meu amigo em mudar o local da comemoração. Fingi surpresa e pedi pra que ele colocasse meu nome na lista. Esperei um abraço antes do show. Não ganhei. Durante o show percebi que ele estava distante. Senti ainda mais vontade de abraçar. Percebi que estava apaixonada.

A festa acabou. Esperei pelo abraço. A balada esvaziou. Ele recolheu tudo o que estava no palco e nem olhou pra mim. Permaneci ali sentada com duas ou três amigas. Combinei com uma delas que iria esperar por ele até determinado horário. Algo me dizia que ele não iria me decepcionar. Faltando cinco minutos para vencer meu prazo ele veio até mim e me abraçou. Meu mundo parou.


Foram vários abraços. Demorados. Tentou uma, duas, três vezes roubar um beijo. Na quarta tentativa conseguiu. Retribuiu à altura do desejo dele. E desse beijo em diante, meu mundo agora já não é mais só meu.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Primeira versão

Era dia de show, cheguei mais cedo para tomar uma “beer com os brother”. Logo no início da noite uma garota me chamou a atenção. Na segunda vez que ela saiu da mesa dela para fumar, em pé, ao lado da minha mesa tive certeza de que ela estava querendo chamar minha atenção. E conseguiu. No terceiro cigarro dela comentei com um amigo “vou ficar com esta menina hoje!”.
O show começou. Confesso que nas primeiras músicas toda a minha atenção estava voltada ao meu contrabaixo. Em algum momento olhei para o público, e ela estava lá, exatamente na minha frente. Passou quase o show inteiro bem ali, olhando pra banda. Entre um sorriso e outro que ela trocava com a amiga, nossos olhares se cruzavam. Pra mim estava claro, ela estava na minha!
No final do show a perdi de vista. Passei o resto da noite entre cervejas e cigarros. O dia já estava quase amanhecendo e lá estava ela, sentada no muro no canto do bar. Não tive dúvidas, fui até lá. Apesar de ela me parecer bem brava, trocamos uma ideia bem envolvente. O álcool já ingerido me deu coragem para olhar nos olhos dela e lançar minha melhor cantada: “você me acha atraente?”. E perdi minha melhor cantada. Pois aí veio o primeiro fora: “Eu não vou ficar com você moleque! Nem te conheço!”.
O papo continuou. Antes de ir embora fui ousado o suficiente para pedir o telefone dela. E ela foi surpreendente o suficiente para me passar o número correto. Poucas horas depois chamei no whatsApp. Ela respondeu, com mais afetividade que durante a noite de boêmia. Daí em diante, nunca mais paramos de nos falar.
No meio da semana a convidei para um role. E aí veio o segundo fora: “não posso ir porque tem uma amiga minha muito afim de você”; (até hoje não conheci essa tal amiga). Fui. Logo em seguida ela apareceu com algumas amigas. Foi uma noite e tanto. Mas sem grandes aproximações, afinal ela não queria sacanear a suposta amiga.
Já aproveitei e engatilhei um novo convite para o sábado seguinte. A princípio ela aceitou. Fiquei feliz. Encima da hora inventou uma viajem e cancelou meu convite. Esse foi o terceiro fora. Eu quis muito que fosse o último.
Mais uma semana se passou. Entre conversinhas de whatsApp, mais um sábado chegou. Eu ia tocar em uma balada. Coincidentemente ela iria comemorar o aniversário de um amigo nesta mesma balada. Coloquei o nome dela na lista e não esperei muito em troca. Não nos vimos antes do show. Não estava nos meus melhores dias.
A festa acabou. Fui recolher uns cabos no palco e lá estava ela. Sentada com duas ou três amigas. Claramente me esperando. Hesitei. Não achei que estivesse preparado para mais um fora. Uns bons minutos depois, minha educação exigiu que eu fosse cumprimentá-la. Ela me abraçou. Meu mundo parou.

Foram vários abraços. Demorados. Tentei uma, duas, três vezes roubar um beijo. Na quarta tentativa consegui.  Ela retribuiu à altura do meu desejo. E desse beijo em diante, meu mundo agora já não é mais só meu.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Eu amo


Eu amo quando te escuto entrar em casa no final da semana.  Quando finalmente podemos tirar nossas máscaras e falar sobre qualquer assunto. Ou ficar em silêncio. Quando ficamos só nós dois. Rindo feito bestas, ou viajando em diálogos profundos.
Amo você embriagado. Suas caras e bocas. E quando você fica sem graça achando que bebeu demais. Amo quando você chega muito perto de mim. E quando você não quer mais ir pra longe.
Amo o direito em permanecer calada que você me oferece. Você falando sem parar. Ou quando você desiste no meio de um assunto. Suas piadas repetidas e sem graça. E as piadinhas que eu não entendo. 
Amo seu sorriso. E como ele é diferente quando você sorri pra mim. A profundidade do seu olhar. E como seus olhos tremem quando olham dentro dos meus. Suas mãos cheias de histórias. E quando elas seguram firmes às minhas.
Amo te observar dormir. Dormir dentro do seu abraço. E acordar no mesmo lugar. Amo seu “bom dia”. E a vontade que sentimos de permanecer ali, juntinhos e sem preocupações.

Eu amo esperar a próxima semana acabar, porque sei que você vai voltar.

domingo, 8 de maio de 2016

Raul





Ela o ouviu contando aos amigos qual nome ele sonhava dar a um filho futuro. E foi, para ela, como uma dose instantânea de anestésico. Desde criança ela sonhava com aquele mesmo nome para um futuro filho. Perdeu-se no tempo imaginando uma vida toda ao seu lado.
Aquelas tantas pessoas vazias que tanto a irritam, sumiriam aos poucos, se desfazendo como fumaça. E os dois viveriam um universo só deles, colorido com suas cores prediletas. Ele seria psiquiatra e nas horas vagas, publicitário. Ela seria cirurgiã e jornalista sempre que sobrasse tempo. Teriam um Fusca 72 vermelho e um carro de bacana pra visitar os pais nos finais de semana.
Beberiam cerveja e ririam da vida toda a noite vendo novela. Usariam moletons iguais para ir ao mercado. Gastariam ao menos metade de seu tempo e dinheiro com música. Durante o dia ensinariam seu filho a andar de skate. E durante a madrugada sairiam - em silêncio para não acordar o moleque - pra dar um role de skate à luz da lua. Permaneceriam relutantes a se enquadrar em padrões sociais pré-estabelecidos.
Discutiriam política e criticariam o PT. Esquecer-se-iam de almoçar, e passariam tardes e tardes esfomeados. Viajariam para Tunísia, Egito, Grécia, Amsterdam , Rússia, Ucrânia e jamais para a Disney. Alfabetizariam seu filho em casa. Apresentariam a ele o Rock and Roll durante a sua primeira semana de vida. E eternamente competiriam pra convencer a criança a torcer para o Grêmio ou para o Corinthians.
E então, ele a acordou dessa viaje toda: “Amor, dê-me as chaves. Vou buscar o Raul no colégio”. Dez anos haviam se passado.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Um desabafo amoroso

Sabe de uma coisa? Eu tô achando que vai ser pra sempre assim. Quando a adrenalina baixar, o whatsApp travar, o coração esvaziar,é de você que eu vou me lembrar. Quando eu não tiver com quem gritar. Quando meu cachorro rosnar. Quando o café esfriar. Quando o natal chegar. Quando a TV queimar. Quando alguém se casar. Quando eu chorar.
Confesso que já não recordo grandes coisas. Acho mesmo que já nem lembro sua voz, sua estatura ou o desenho do seu rosto. Mas existem detalhes que insistem em não se deixarem esquecer.  E ainda procuro estes detalhes, estes malditos detalhes, em corpos errados. Seus lobos auriculares que são, em concomitância, recessivo e dominante. As entradas no cabelo. Os olhos - insistentemente - de sono. Os dedos dos pés colados, como pés de pato. As costas largas (ah!!!). A clavícula fraturada.
Repetidamente, meses seguem alegremente. Eu seco garrafas e mais garrafas de cerveja. Ouço músicas e mais músicas diferentes. Conheço pessoas e mais pessoas interessantes. Beijo bocas e mais bocas apaixonantes. Frequento baladas e mais baladas alucinantes. Experimento sensações e mais sensações intrigantes. Porém, de quando em quando, ouço algum refrão que me lembra de você. Uma opinião política, um descoberta científica, ou até um lançamento cinematográfico, que eu queria dividir com você. Admito esse “quando em quando” tem se tornado cada vez mais infrequente. Mas, parece que cada vez mais pesado.
Morro de vontade de lhe enviar um SMS com a dica “coloque a camisa por fora do cinto”, ou “não use sapatos tom sobre tom com a calça”, ou ainda “apare a barba e não deixe o cabelo cair na testa, fica feio!”. Mas, engulo minhas dicas e fico aqui, permitindo ao meu novo eu rir do seu novo você. Inclusive, meu novo eu é tão diferente do antigo, por dentro e por fora, que, sinceramente, acho que se você me conhecesse só hoje odiaria. Ou amaria.
Antigamente, pensava que as pessoas que me conhecessem sem conhecer você não me conheceriam por inteiro. Hoje, estou certa de que quem me conheceu enquanto você estava na minha vida me conheceu de mentira. Fico aqui pensando se aquele “ser pedante” que eu namorei tanto tempo também era só um personagem. Se você também se tornou alguém mais interessante. Se cresceu, se aprendeu.
Fico aqui, no meu silencio gritante, matutando. Ainda busco “porquês”. Porque teve de ser tão brusco. Porque eu aceitei tão fácil isso tudo, mesmo sem ainda entender. Porque fiz tantos planos com você. Sabe, consigo pensar em infinitas trilhas sonoras que descreveriam meu sentimento muito melhor que este texto... Enfim, o que eu queria um dia poder lhe dizer é que sinto uma saudade esquisita. Pra citar Renato Russo, “E é só você que tem a cura pro meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi”. Não chega a ser falta de você. Menos ainda vontade de seguir a vida a seu lado. Credo, não mesmo. Talvez seja um sentimento que ainda não tenha nome, que tem como queixa principal aperto no peito.

Em uma cena de alguma novela do Manuel Carlos, uma personagem chamada Helena dizia para seu amado algo como “Em todos esses anos distante de mim, quando você ouvia o nome ‘Helena’, na fila da padaria, numa lista de contatos, não se lembrava de mim?”. Pois saiba meu caro, quando ouço seu nome por aí, até me lembro de muitos charas seus que conheço, dificilmente de você. Porém, quando ouço a palavra musa, ou quando alguém me chama de (quase minha família toda e meus bons amigos me chamam assim) lembro quem eu era quando estávamos lado a lado. E dói, dói muito.