quinta-feira, 23 de abril de 2015

Amores platônicos

Quando meus amigos me irritam, eu paro pra pensar porque ainda “ando com eles”. Eu me irrito com facilidade. Tenho poucos amigos. Invariavelmente concluo que mantenho as amizades, mesmo diante das dores de cabeça, porque não foi à toa que os escolhi. No fundo gosto inclusive dos defeitos irritantes que eles insistem em cultivar.
Entretanto, a verdadeira verdade é que se meus amigos fossem mesmo quem eu imagino; não existiriam. Tenho mania de criar personagens fictícios. Em um mundo paralelo, logo aqui do lado, vivo uma vida no Jardim do Eden. Com pessoas perfeitas, molhos saudáveis e rock and roll.
É aí que reside minha facilidade em criar amores platônicos. Nesse mundo paralelo, com um “eu perfeito”, rodeada de amores perfeitos. Em geral esses amores são personagens da vida real. Mas mais bonitos, mais carinhosos e deliciosos.
Funciona mais ou menos assim: o “carinha” passa usando uma camiseta cinza e chinelos havaianas. Só. Em seguida eu arrumo um tempinho livre (sei lá, na caminha da sala de aula até meu carro por exemplo) e crio uma história toda a partir dessa cena. Fico imaginando ele jogando a camiseta no sofá, pedindo comida japonesa, entrando em casa sem tirar os chinelos, me chamando pra ver besteirol americano na TV.
Assim seguem meus dias comuns. Inventando novas histórias, com novos garotos. Como uma eterna casinha de Barbie. Porém, o problema surge quando o personagem começa a se repetir. E eu começo a viajar num mesmo carinha, em várias cenas. E este, por sua vez, nem imagina.
Nessas horas o destino costuma colaborar. E me esbarra no tal carinha em uma freqüência louca e assustadora. Desse modo, eu acumulo cenas reais no meu arsenal, e com algum tempinho de sobra crio mais e mais histórias platônicas. Percebo que de fato estou vivendo um problema quando, mesmo sem cenas reais, consigo inventar cenas fictícias.
Quando me dou conta, estou literalmente vivendo um amor platônico. E sempre me falta coragem para realizar esse amor, na vida tediosa vida real. Não por medo de rejeição, mais mesmo por medo de decepção. Meus amores platônicos são perfeitos demais para terem capacidade de se tornar real.
Admito, é gostoso. Interessantíssimo viver esses amores. Mas às vezes cansa. Sinto vontade de sentir as tais borboletas no estômago. Pagar pra ver se o carinha que samba de chinelo havaiana realmente deitaria no meu sofá sem tirar os chinelos.

Entretanto, meus amigos eu sei que são maravilhosos na vida real. E mesmo quando me decepcionam me encantam. Consigo conviver com eles no universo paralelo e na vida de verdade. Já o carinha, ah, deixa ele congelado lá.

"E você? Você é o motivo. Do meu amanhecer. E da minha angústia. Ao anoitecer. Amor platônico." (Renato Russo).

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O poder do amor próprio

Minha ignorância não é grande o suficiente a ponto de me permitir desacreditar na poligamia. Sabe-se que historicamente, nós mamíferos, somos poligâmicos. Por mais primitivo que possa soar, carregamos em nosso material genético o gene para tal fim – por assim dizer.
Em contra partida, somos culturalmente monogâmicos. Integrantes de uma sociedade em que a vida deve ser vivida em dupla. A gente cresce sabendo que a base de uma família é uma dupla, o papai e a mamãe. E que esses, apenas juntos, são capazes de dar continuidade à sua árvore genealógica e passar valores aos seus filhos.
Sendo assim, o que se faz é passar metade de uma vida tentando suprimir os instintos poligâmicos durante uma busca incessante por um par. Aí, chega uma hora que o par se forma. A felicidade é alcançada. E só o que falta ao protagonista desta história e se reproduzir e morrer (afinal, conforme se aprende no colégio, todos os seres vivos nascem, crescem, reproduzem-se e morrem).
Porém, há (muitos) casos em que um dos integrantes do par é primitivo o suficiente a ponto de não controlar seu gene poligâmico. E o outro é “ovelhinha do sistema” o suficiente a ponto de não admitir o rompimento de um par. É aí que nascem a traição e os casamentos eternamente infelizes e frustrados.
Para viver nesse jogo de opostos (entre o que nos é imposto pela cultura e pela genética), é que existe o amor. O amor próprio! Que quando mesclado com uma quantidade ínfima de inteligência e capacidade adaptativa costuma funcionar muito bem, em todas as circunstâncias.

Quando o amor por si mesmo existe, é possível inclusive amar uma segunda pessoa. O suficiente para respeitá-la e manter o destrutivo gene para poligamia em estado de latência por toda uma vida. E para os casos que essa “segunda pessoa” tão pequena que se torna incapaz de retribuir este respeito, o amor próprio também funciona. Afinal, se você ama mais a si próprio, logo vai esquecer mágoas passadas. E, inclusive, ser periférico a esse sistema todo e viver uma vida muito feliz e sem uma dupla.


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