Quando meus amigos me irritam, eu
paro pra pensar porque ainda “ando com eles”. Eu me irrito com facilidade.
Tenho poucos amigos. Invariavelmente concluo que mantenho as amizades, mesmo
diante das dores de cabeça, porque não foi à toa que os escolhi. No fundo gosto
inclusive dos defeitos irritantes que eles insistem em cultivar.
Entretanto, a verdadeira verdade
é que se meus amigos fossem mesmo quem eu imagino; não existiriam. Tenho mania
de criar personagens fictícios. Em um mundo paralelo, logo aqui do lado, vivo
uma vida no Jardim do Eden. Com pessoas perfeitas, molhos saudáveis e rock and
roll.
É aí que reside minha facilidade
em criar amores platônicos. Nesse mundo paralelo, com um “eu perfeito”, rodeada
de amores perfeitos. Em geral esses amores são personagens da vida real. Mas
mais bonitos, mais carinhosos e deliciosos.
Funciona mais ou menos assim: o “carinha”
passa usando uma camiseta cinza e chinelos havaianas. Só. Em seguida eu arrumo
um tempinho livre (sei lá, na caminha da sala de aula até meu carro por
exemplo) e crio uma história toda a partir dessa cena. Fico imaginando ele
jogando a camiseta no sofá, pedindo comida japonesa, entrando em casa sem tirar
os chinelos, me chamando pra ver besteirol americano na TV.
Assim seguem meus dias comuns.
Inventando novas histórias, com novos garotos. Como uma eterna casinha de
Barbie. Porém, o problema surge quando o personagem começa a se repetir. E eu começo
a viajar num mesmo carinha, em várias cenas. E este, por sua vez, nem imagina.
Nessas horas o destino costuma
colaborar. E me esbarra no tal carinha em uma freqüência louca e assustadora.
Desse modo, eu acumulo cenas reais no meu arsenal, e com algum tempinho de
sobra crio mais e mais histórias platônicas. Percebo que de fato estou vivendo
um problema quando, mesmo sem cenas reais, consigo inventar cenas fictícias.
Quando me dou conta, estou
literalmente vivendo um amor platônico. E sempre me falta coragem para realizar
esse amor, na vida tediosa vida real. Não por medo de rejeição, mais mesmo por
medo de decepção. Meus amores platônicos são perfeitos demais para terem
capacidade de se tornar real.
Admito, é gostoso. Interessantíssimo
viver esses amores. Mas às vezes cansa. Sinto vontade de sentir as tais
borboletas no estômago. Pagar pra ver se o carinha que samba de chinelo
havaiana realmente deitaria no meu sofá sem tirar os chinelos.
Entretanto, meus amigos eu sei
que são maravilhosos na vida real. E mesmo quando me decepcionam me encantam.
Consigo conviver com eles no universo paralelo e na vida de verdade. Já o
carinha, ah, deixa ele congelado lá.
"E você? Você é o motivo. Do meu amanhecer. E da minha angústia. Ao anoitecer. Amor platônico." (Renato Russo).