domingo, 8 de maio de 2016

Raul





Ela o ouviu contando aos amigos qual nome ele sonhava dar a um filho futuro. E foi, para ela, como uma dose instantânea de anestésico. Desde criança ela sonhava com aquele mesmo nome para um futuro filho. Perdeu-se no tempo imaginando uma vida toda ao seu lado.
Aquelas tantas pessoas vazias que tanto a irritam, sumiriam aos poucos, se desfazendo como fumaça. E os dois viveriam um universo só deles, colorido com suas cores prediletas. Ele seria psiquiatra e nas horas vagas, publicitário. Ela seria cirurgiã e jornalista sempre que sobrasse tempo. Teriam um Fusca 72 vermelho e um carro de bacana pra visitar os pais nos finais de semana.
Beberiam cerveja e ririam da vida toda a noite vendo novela. Usariam moletons iguais para ir ao mercado. Gastariam ao menos metade de seu tempo e dinheiro com música. Durante o dia ensinariam seu filho a andar de skate. E durante a madrugada sairiam - em silêncio para não acordar o moleque - pra dar um role de skate à luz da lua. Permaneceriam relutantes a se enquadrar em padrões sociais pré-estabelecidos.
Discutiriam política e criticariam o PT. Esquecer-se-iam de almoçar, e passariam tardes e tardes esfomeados. Viajariam para Tunísia, Egito, Grécia, Amsterdam , Rússia, Ucrânia e jamais para a Disney. Alfabetizariam seu filho em casa. Apresentariam a ele o Rock and Roll durante a sua primeira semana de vida. E eternamente competiriam pra convencer a criança a torcer para o Grêmio ou para o Corinthians.
E então, ele a acordou dessa viaje toda: “Amor, dê-me as chaves. Vou buscar o Raul no colégio”. Dez anos haviam se passado.

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