terça-feira, 31 de maio de 2016

Primeira versão

Era dia de show, cheguei mais cedo para tomar uma “beer com os brother”. Logo no início da noite uma garota me chamou a atenção. Na segunda vez que ela saiu da mesa dela para fumar, em pé, ao lado da minha mesa tive certeza de que ela estava querendo chamar minha atenção. E conseguiu. No terceiro cigarro dela comentei com um amigo “vou ficar com esta menina hoje!”.
O show começou. Confesso que nas primeiras músicas toda a minha atenção estava voltada ao meu contrabaixo. Em algum momento olhei para o público, e ela estava lá, exatamente na minha frente. Passou quase o show inteiro bem ali, olhando pra banda. Entre um sorriso e outro que ela trocava com a amiga, nossos olhares se cruzavam. Pra mim estava claro, ela estava na minha!
No final do show a perdi de vista. Passei o resto da noite entre cervejas e cigarros. O dia já estava quase amanhecendo e lá estava ela, sentada no muro no canto do bar. Não tive dúvidas, fui até lá. Apesar de ela me parecer bem brava, trocamos uma ideia bem envolvente. O álcool já ingerido me deu coragem para olhar nos olhos dela e lançar minha melhor cantada: “você me acha atraente?”. E perdi minha melhor cantada. Pois aí veio o primeiro fora: “Eu não vou ficar com você moleque! Nem te conheço!”.
O papo continuou. Antes de ir embora fui ousado o suficiente para pedir o telefone dela. E ela foi surpreendente o suficiente para me passar o número correto. Poucas horas depois chamei no whatsApp. Ela respondeu, com mais afetividade que durante a noite de boêmia. Daí em diante, nunca mais paramos de nos falar.
No meio da semana a convidei para um role. E aí veio o segundo fora: “não posso ir porque tem uma amiga minha muito afim de você”; (até hoje não conheci essa tal amiga). Fui. Logo em seguida ela apareceu com algumas amigas. Foi uma noite e tanto. Mas sem grandes aproximações, afinal ela não queria sacanear a suposta amiga.
Já aproveitei e engatilhei um novo convite para o sábado seguinte. A princípio ela aceitou. Fiquei feliz. Encima da hora inventou uma viajem e cancelou meu convite. Esse foi o terceiro fora. Eu quis muito que fosse o último.
Mais uma semana se passou. Entre conversinhas de whatsApp, mais um sábado chegou. Eu ia tocar em uma balada. Coincidentemente ela iria comemorar o aniversário de um amigo nesta mesma balada. Coloquei o nome dela na lista e não esperei muito em troca. Não nos vimos antes do show. Não estava nos meus melhores dias.
A festa acabou. Fui recolher uns cabos no palco e lá estava ela. Sentada com duas ou três amigas. Claramente me esperando. Hesitei. Não achei que estivesse preparado para mais um fora. Uns bons minutos depois, minha educação exigiu que eu fosse cumprimentá-la. Ela me abraçou. Meu mundo parou.

Foram vários abraços. Demorados. Tentei uma, duas, três vezes roubar um beijo. Na quarta tentativa consegui.  Ela retribuiu à altura do meu desejo. E desse beijo em diante, meu mundo agora já não é mais só meu.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Eu amo


Eu amo quando te escuto entrar em casa no final da semana.  Quando finalmente podemos tirar nossas máscaras e falar sobre qualquer assunto. Ou ficar em silêncio. Quando ficamos só nós dois. Rindo feito bestas, ou viajando em diálogos profundos.
Amo você embriagado. Suas caras e bocas. E quando você fica sem graça achando que bebeu demais. Amo quando você chega muito perto de mim. E quando você não quer mais ir pra longe.
Amo o direito em permanecer calada que você me oferece. Você falando sem parar. Ou quando você desiste no meio de um assunto. Suas piadas repetidas e sem graça. E as piadinhas que eu não entendo. 
Amo seu sorriso. E como ele é diferente quando você sorri pra mim. A profundidade do seu olhar. E como seus olhos tremem quando olham dentro dos meus. Suas mãos cheias de histórias. E quando elas seguram firmes às minhas.
Amo te observar dormir. Dormir dentro do seu abraço. E acordar no mesmo lugar. Amo seu “bom dia”. E a vontade que sentimos de permanecer ali, juntinhos e sem preocupações.

Eu amo esperar a próxima semana acabar, porque sei que você vai voltar.

domingo, 8 de maio de 2016

Raul





Ela o ouviu contando aos amigos qual nome ele sonhava dar a um filho futuro. E foi, para ela, como uma dose instantânea de anestésico. Desde criança ela sonhava com aquele mesmo nome para um futuro filho. Perdeu-se no tempo imaginando uma vida toda ao seu lado.
Aquelas tantas pessoas vazias que tanto a irritam, sumiriam aos poucos, se desfazendo como fumaça. E os dois viveriam um universo só deles, colorido com suas cores prediletas. Ele seria psiquiatra e nas horas vagas, publicitário. Ela seria cirurgiã e jornalista sempre que sobrasse tempo. Teriam um Fusca 72 vermelho e um carro de bacana pra visitar os pais nos finais de semana.
Beberiam cerveja e ririam da vida toda a noite vendo novela. Usariam moletons iguais para ir ao mercado. Gastariam ao menos metade de seu tempo e dinheiro com música. Durante o dia ensinariam seu filho a andar de skate. E durante a madrugada sairiam - em silêncio para não acordar o moleque - pra dar um role de skate à luz da lua. Permaneceriam relutantes a se enquadrar em padrões sociais pré-estabelecidos.
Discutiriam política e criticariam o PT. Esquecer-se-iam de almoçar, e passariam tardes e tardes esfomeados. Viajariam para Tunísia, Egito, Grécia, Amsterdam , Rússia, Ucrânia e jamais para a Disney. Alfabetizariam seu filho em casa. Apresentariam a ele o Rock and Roll durante a sua primeira semana de vida. E eternamente competiriam pra convencer a criança a torcer para o Grêmio ou para o Corinthians.
E então, ele a acordou dessa viaje toda: “Amor, dê-me as chaves. Vou buscar o Raul no colégio”. Dez anos haviam se passado.